
O Santuario dos Pajés
Desde de tempos imemoráveis, o ser humano dedica uma energia fenomenal para conquistar terras, mesmo se isso significava fazer guerras e matar outros seres.
Hoje, as técnicas são diversas. Uma delas, quando não é possível matar escancaradamente os moradores, é dizer que a região a invadir é inabitada. É o caso do Setor Noroeste, em Brasília.

Há séculos dezenas de grupos indígenas viviam no centro-oeste do país e com a chegada dos bandeirantes, migraram para o norte. Quando iniciada a construção da nova capital, alguns membros da etnia Fulniô, de Pernambuco, foram para trabalhar. Durante as horas vagas, descansavam e faziam seus rituais na Terra Indígena Bananal, onde se encontrava um antigo cemitério Kayapó. Ao longo dos anos o lugar atraiu mais indígenas, que precisavam de um pouso quando transitavam pela região.


Desde 1969, o local se fortaleceu com a presença do Pajé Santxié Tapuia, vindo de Águas Belas (PE) com a missão de trazer dignidade e respeito aos povos indígenas. Sanxtié fez um trabalho de herbário com plantas medicinais do cerrado com o qual recebeu o Prêmio Cultura Indígena - edição Xicão Xucuru 2007, do Ministério da Cultura. Este fato fortaleceu o herbário dos pajés ao mostrar a importância do local e o reconhecimento do Estado.
Na época em que Lúcio Costa idealizou Brasília, o setor habitacional chamado hoje de “Setor Noroeste”, não fazia parte do planejamento da cidade, mas poderia ser construído caso necessário e seria destinado às classes sociais C e D. Em 87, Lucio Costa aceitou a proposta de “Brasília Revisitada” e liberou
a expansão do plano urbanístico da cidade com
a criação dos setores Noroeste e Sudoeste.


Em 2008, começou a decida aos infernos.
A Terracap tentou convencer os indígenas de se retirarem da área. No mesmo ano, a procuradoria do GDF propôs a assinatura do “Termo de Ajustes de Conduta”, que garantiria que o Ibama liberasse o Noroeste. O então governador do DF, José Arruda - conhecido por seus comparsas como Big Boss - regularizou aproximadamente 200 igrejas em 2009, mas nenhum terreiro de Candomblé, Umbanda ou o Santuário dos Pajés.

No mesmo ano, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT, foi criado em cima da hora, para evitar qualquer participação da sociedade civil. Isso permitiu o reforço do interesse imobiliário em jogo, que previa uma movimentação de 11 bilhões de reais. Várias recomendações do Ministério Público foram feitas sobre esse Plano, mas nenhuma foi atendida.
A especulação imobiliária crescia, junta às ameaças cada vez mais intensas sobre o Santxié, mas ele não se dobrou. Com sua fabulosa energia, fez nascer o movimento popular “O Santuário Não Se MOVE”.
A presença do movimento popular era necessária diariamente, pois as empreiteiras aproveitavam qualquer momento para destruir um pouco mais o cerrado. Ações de plantio em áreas devastadas eram feitas assim que tratores passavam. Manifestantes cercavam os maquinários para impedir que se movimentassem. Ocupações de área ainda intocadas eram feitas para barrar o avanço dos tratores.
Mesmo sem autorização legal da justiça, mas com o aval de corruptos do governo, as empreiteiras arrancavam um pouco mais de cerrado diariamente e tomavam a área com a contribuição da PM, que em 10 de novembro de 2011 chegou a mobilizar 800 policiais para apoiar essa quadrilha.

A mídia colaborava com o governo e seus afiliados, especialmente a empresa Paulo Octavio, que publicou propagandas do “bairro verde” num dos principais jornais da cidade. Usando a tática da invisibilidade, não citavam os povos originários que ocupavam o Santuário, mas exaltavam o novo “bairro ecológico” que a capital estava “ganhando”.
Já anunciada pelos especialistas, Brasília hoje enfrenta as consequências desse absurdo ambiental, que priva o acesso livre à água na época da seca. Além de ser o novo “bairro ecológico”, a Terra Indígena se transformava na região mais cara do Brasil, com preços iniciais de R$ 10 mil o m² e expectativa de chegar a R$ 25 mil. O setor Noroeste foi inicialmente idealizado para atender à população mais modesta, que poderia crescer junto com a cidade. Mas ao contrário do pensamento democrático, foi cada vez mais afastada do Plano Piloto para não se misturar com as classes alta e média.







Os povos, que viviam no local há décadas, e os 800 hectares de cerrado intocado, estavam seriamente ameaçados. Essa região servia de tampão ao Parque Nacional de Brasília, e era reconhecidamente essencial para drenagem das águas que abastece a cidade.


Durante uma entrevista, Paulo Octavio declarou: “Vamos fazer uma cidade ambientalmente correta, esse é um projeto feito pelo Secretário do Meio Ambiente, Cassio Taniguchi”.
Pouco tempo depois, o Secretário foi condenado por desvio de dinheiro público.
O ex-governador Arruda foi sentenciado a dez anos de prisão. Entretanto, teve a pena reduzida e, em 2019, o “Big Boss” aguarda em liberdade o resultado de mais 11 ações criminais.
Ao então procurador do GDF, Peterson de Paulo, Santxié perguntou: “Será que o senhor representa esta casa? Aqui é a casa da Lei. Nós estamos procurando a Lei! Se ela não existe, tem alguém vendido. Aqui é um balcão de negócios? Porque nós sabemos que o senhor Paulo Octavio está por trás disso”. Em 2010, o Paulo Octavio caiu na malha da CPI da Codeplan e quatro anos depois foi preso por por um esquema de propina ligado a liberação de alvarás beneficiando sua empresa, mas em quatro dias foi solto. Mesmo com dez ações penais tramitando contra ele no STF, segue livre.


Se a humanidade se mantiver cega pelo capitalismo descontrolado, nossa sociedade, anestesiada pelo dinheiro, estará se suicidando a fogo baixo. Os polos derretendo, fogos gigantescos na Austrália, Turquia e Grécia, inundações em vários lugares do mundo, são apenas o inicio do fim... ou vamos acordar e criar uma sociedade do bem-viver?
Gostaria saber mais em detalhes dessa historia?
Assiste esse video realizado pelo:
- Centro de Mídia Independente-DF
- Apoiadoras e Apoiadores do Santuário dos
- Pajés -Quem Não Deve Não Teme Produções
- Coletivo Muruá -Sacripância Estricnados
- Arriégua Filmes
Com esse relato, venho honrar a memoria de Santxié, falecido em 2014, e de tantos outros que lutaram e lutam para preservar a natureza, suas terras e culturas, e quer viver de modo verdadeiramente sustentável.



